(Especial Oscar 2013: crítica do filme
“As Aventuras de Pi”)
Aviso: A crítica contém spoilers! Só
leia se você já assistiu ao filme ou se não liga de saber sobre alguns fatos
importantes antes de vê-lo.
Genial, grandioso e extraordinário...
Essas deveriam ser as
três primeiras palavras que saem da boca de todos que terminam de assistir “As
Aventuras de Pi”.
Após sentar para
assistir um filme divertido, possivelmente meio infantil e “Sessão da Tarde”,
por conta da história, da classificação e, principalmente, do nome dado pela
tradução brasileira, que se equivocou novamente de forma grosseira, o
espectador se depara com uma brilhante produção cinematográfica roteirizada,
produzida e dirigida de forma cirúrgica.
A tradução brasileira do
título realmente é a única coisa que incomoda, além de um primeiro ato um tanto
quanto devagar. Originalmente chamado de “Life of Pi”, o Brasil foi bem infeliz
ao não seguir o exemplo de Portugal, que, como esperado, chamou o filme de “A
Vida de Pi”. O óbvio e certo que não fomos capazes de fazer.
É só imaginar o filme
“A Vida de David Gale” com o nome: “As Aventuras de Gale”. Ficou bom? Pois é...
Não faz sentido. Nesse caso, é a mesma coisa, afinal, o filme passa longe de
ser uma produção voltada ao público infantil, pois apresenta uma trama repleta
de conflitos espirituais que o tornam bastante complexo e profundo.
“Life of Pi” gira em torno da história de um
homem indiano de três religiões que mora no Canadá, chamado Piscine Molitor
Patel, carinhosamente (após um grande esforço) chamado de “Pi”.
Em busca de uma boa
história, um escritor chega à casa de Pi, que, inicialmente, não entende o
motivo pelo qual ele quer saber sobre a sua vida. “Essa história vai fazer você
acreditar em Deus”, foi o que um tio de Pi contou ao escritor e o motivo pelo
qual ele foi até lá. Assim, começa a história de um trágico acidente narrado
por Piscine, já mais velho, e mostrada toda em forma de flashbacks.
Pi e sua família
moravam em Pondicherry, na Índia, onde tinham um zoológico. Após a região
passar por diversos problemas político-financeiros, seus pais decidem se mudar
para o Canadá, obrigando Pi a abandonar o amor de sua vida e seus poucos amigos
para embarcar em um cargueiro japonês junto com todos os animais do zoológico. A
idéia era vendê-los no Canadá para começar uma vida nova e cheia de
oportunidades, no entanto, isso nunca acontece, pois uma grande tempestade faz
o navio naufragar.
Após ser o único a
conseguir sair do navio a tempo e subir em um barco salva-vidas, Pi se depara
com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala, conhecido como
Richard Parker. Os três primeiros não sobrevivem e Pi começa a sua experiência
de sobrevivência de 227 dias dividindo seu pequeno barco com um grande tigre.
Piscine enfrenta o mar,
as tempestades, a fome, a sede e um grande animal que, apesar de estar ali
pronto para devorá-lo a qualquer dia e qualquer hora, em pouco tempo deixa de
ser uma ameaça e torna-se a sua única motivação para viver. O filme rapidamente
tira do espectador a impressão de que o enredo vai apresentar a luta do homem
contra a natureza, acaba com o óbvio, e passa a mostrar o medo que o homem tem
da solidão. O tigre torna-se a cura disso, pois Pi começa a enxergar que, mais
perigoso que ser devorado por Richard Parker, é ser deixado sozinho no meio do
oceano, o que leva o garoto a fazer de tudo pela sobrevivência do animal... Seu
único amigo naquele momento.
A forma como Pi salva o
tigre algumas vezes e ainda divide o alimento que consegue... Como ele tenta
adestrá-lo... E o vínculo criado após muito esforço – representado na melhor
cena do filme, na qual o animal deita em seu colo – são, de fato, uma lição de
vida.
O final, ainda por
cima, além de emocionar com a atuação rápida, porém brilhante do ator indiano
Sahabzade Irrfan Ali Khan, conhecido principalmente pelo seu papel no filme
“Quem Quer Ser um Milionário”, ganhador de oito Oscars, ainda deixa o
espectador em uma situação reflexiva e de escolha entre duas histórias, apesar
de ficar nítida qual é a verdadeira, sendo a outra apenas a que ele quer
acreditar para não se lembrar da verdade. Sua mãe sendo assassinada na sua
frente e depois comida por tubarões, ele matando uma pessoa - o cozinheiro,
interpretado rapidamente pelo grande Gérard Depardieu - para vingar a morte da
mãe, entre outras coisas...
É simplesmente genial o
fato de ele ter colocado os animais representando cada uma das pessoas que
estavam no barco - sendo ele o tigre – e conseguir contar a história sem uma
contradição se quer, tudo para fugir da triste realidade. Ele acredita na
própria história inventada de um jeito inexplicável. É lindo...
O ator que faz o Pi nos
flashbacks é o desconhecido, porém surpreendentemente bom, Suraj Sharma, um
indiano que venceu uma disputa com três mil concorrentes pelo papel. No filme,
o ator teve a oportunidade de interpretar algumas cenas com um tigre de
verdade, porém, o felino e todos os outros animais do filme foram criados em
CGI (Computer Graphic Imagery), apesar de não parecer devido à perfeição
indescritível da computação gráfica. Provavelmente uma das melhores já feitas
na história do cinema.
O trabalho de estudo da
movimentação do animal e captura de performance foi realizado pela Rhythm &
Hues Studios, conhecida pela criação dos animais do filme “As Crônicas de
Nárnia”. O leão de Nárnia ficou muito bom, mas dessa vez a excelência foi tão
grande que é difícil acreditar que o tigre Richard Parker foi feito
digitalmente.
Já o papel do escritor
é de Rafe Spall, filho de Timothy Spall, que substituiu de última hora o ator Tobey
McGuire, o ex- Peter Parker – de “O Homem Aranha”. O que fez ele perder o papel
foi o fato de ser conhecido demais, o que descaracterizaria o efeito pretendido
pelo filme ao desequilibrar o elenco.
Com seu filme indicado
a 11 Oscars, o diretor taiwanês Ang Lee acertou mais uma vez ao fazer uma
produção cinematográfica que marca muito seu estilo de fazer cinema. O filme
tem todas as características marcantes do diretor, principalmente nessa questão
da solidão, que sempre foi muito permanente em seus trabalhos. Em “Razão e
Sensibilidade”, de 2005, as irmãs que perdem o pai chegam à conclusão de que um
homem é a única saída para fugirem de um destino de eterna solidão. Em “Brokeback
Mountain”, de 2005, um casal de cowboys gays não passava de dois seres
solitários antes de se apaixonarem e encontrarem um no outro um tipo de apego
em meio a tanta tristeza. Esse tipo de situação se repete também em “Desejo e
Perigo”, de 2007, e até mesmo na sua adaptação da história do personagem “Hulk”
e no Kung Fu “O Tigre e o Dragão”.
Em “As Aventuras de Pi”,
Ang Lee mais uma vez faz questão de explicar ao espectador toda a metáfora do
filme, principalmente sobre a questão do processo mental que os seres humanos utilizam
para se protegerem de si mesmos e a condição humana frente a uma situação de
desespero. Lee praticamente pega o espectador no colo e conta passo-a-passo o
que ele quis dizer com tudo aquilo, o que às vezes se torna excessivo, porém,
compreensível, visto que é nítida a convicção dele na força do significado da
mensagem que ele tenta passar.
O filme foi uma
adaptação do romance homônimo de Yann Martel realizada pelo roteirista David
Magee. O livro foi baseado na obra “Max e os Felinos”, do brasileiro Moacyr
Jaime Scliar, falecido em 2011, que chegou a considerar entrar com um processo contra
Yann por plágio, mas desistiu alegando que seria difícil e trabalhoso demais.
Posteriormente, o escritor canadense começou a colocar uma referência logo na
primeira página do livro, dizendo que realmente se inspirou em Scliar para
escrever “Life of Pi”.
É um filme sobre a
vida... Sobre todos nós... Sobre as escolhas... Sobre a fé... Um filme
extremamente reflexivo, que leva quem o assistiu a pensar e pensar por horas e
mais horas após o seu término. Um filme que, definitivamente, não passa
despercebido... Não é só mais um.
Arthur
Ordones
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Não estava com vontade de assistir esse filme até ler essa matéria. Fiquei curiosa e pretendo vê-lo em breve. Percebo que anda pesquisando bastante para fazer críticas tão completas e com outras informações que enriquecem o texto. Maravilhoso!
Linda história, pena que a história de Pi é um plágio grotesco de um autor brasileiro, sem receber os devidos créditos. Pesquisem!! Forte abraço!